Você sabe o que acontece com aquele remédio que
saiu da validade e foi jogado no lixo da sua casa? Qual será o destino dessas moléculas?
Já pensou que elas podem contaminar o solo, a água e ao contrário do que muitos
pensam, algumas delas podem resistir ao tratamento realizado na água nas estações de tratamento e que podem, até mesmo, retornar a
sua casa novamente na água para o consumo? Pois agora falarei um pouco sobre
esse assunto.
Há pouco mais de um ano eu torci o tornozelo e tive que
tomar um anti-inflamatório bem forte durante uns poucos dias. Aquele
medicamento só foi necessário naquela ocasião, pois a recuperação foi rápida e sobraram
muitos comprimidos que, após saírem da validade, foram descartados no lixo de
casa. Nessas ocasiões eu sempre ficava me perguntando qual seria o tamanho do
estrago que o descarte dessas substâncias por toda a população provoca no
ambiente. Recentemente, uma faxina no armário de remédios, me motivou a
pesquisar um pouco sobre o assunto e acabei me deparando com um ótimo artigo de
revisão escrito pelas professoras Daniele Maia Bila e Marcia Dezotti, da UFRJ,
que aborda os problemas ambientais causados pelo descarte inadequado dos
medicamentos. Também encontrei outro artigo, de Stumpf e colaboradores (1999) no
qual os autores detectaram a presença de resíduos de drogas tais como
reguladores de lipídios, anti-inflamatórios, entre outros, que foram detectados
na água de esgotos e em rios no estado do Rio de Janeiro.
O problema é preocupante e o pior, é
negligenciado pelas autoridades. Imagine todos os medicamentos que são
utilizados pela população sendo descartados no lixo comum (pelo menos no
Brasil) se acumulando nos lixões, infiltrando no solo e indo parar nos lençóis
de água. Quando chove, essas substâncias são arrastadas para os corpos d’água
(rio, lagos) onde se acumulam e podem ser captadas para o consumo humano ou
animal. Mesmo a água tratada nas estações de tratamento ainda pode conter
traços de alguns medicamentos que não são totalmente eliminados durante os
processos de purificação. Isso significa então, que na prática acabamos
consumindo, mesmo que em quantidades pequenas, os medicamentos (antibióticos,
anti-inflamatórios, e outros) que outrora foram descartados. O problema não para
por ai, até mesmo os excretas humanos e animais podem conter essas substâncias,
que não são completamente metabolizadas pelo organismo e vão parar no esgoto
doméstico.
As substâncias que
compõem os medicamentos são desenvolvidas para serem estáveis e manterem suas
características químicas no corpo humano ou dos animais. Entretanto um estudo
realizado por Mulroy (2001) alertou que de 50% a 90% de um fármaco que foi
consumido acaba sendo eliminado intacto e persiste no meio ambiente. As
consequências da presença dessas substâncias no meio ambiente ainda não estão
bem estabelecidas mas podem ser desde a contaminação ambiental até resistência bacteriana uma vez que, em tese, uma
bactéria presente em um rio com traços de antibiótico poderia adquirir resistência
a essas substâncias.
O descarte inadequado de fármacos afeta
sobremaneira os ambientes aquáticos onde os efeitos incluem a seleção de
bactérias resistentes e alterações endócrinas em peixes devido à exposição aos
estrogênios usados em medicamentos como, por exemplo, as pílulas anticoncepcionais. Nos
estudos realizados em laboratório por Panter e sua equipe (1998), concentrações
de hormônios similares às concentrações encontradas em efluentes, causaram
profundos efeitos em peixes machos da espécie Pimephales promelas (uma
espécie muito usada em testes ecotoxicológicos). Esses efeitos incluíram
alterações reprodutivas, o que é potencialmente perigoso para a manutenção de
qualquer espécie. Muito pouco é conhecido sobre o destino e o comportamento dessas
substâncias no ambiente aquático, assim como não está claro quais organismos
são afetados e em que grau.
De acordo com o estudo de Richardson e sua
equipe (1985), nas estações de tratamento de esgotos há três destinos possíveis
para qualquer fármaco individual: 1) ele pode ser biodegradável, ou seja,
mineralizado a gás carbônico e água, como por exemplo, o ácido
acetilsalicílico; 2) ele pode passar por algum processo metabólico ou ser
degradado parcialmente, como as penicilinas; ou 3) ele pode ser persistente
como o clofibrato, usado na redução do colesterol.
Na verdade pouco se conhece sobre as rotas dos
fármacos no meio ambiente. O esquema abaixo, extraído do já citado artigo da revista
científica Química Nova, ilustra
alguns dos possíveis caminhos percorridos pelos fármacos após o seu descarte no
meio ambiente. Observe que eles iniciam pela produção industrial ou excretas (humanos
e animais) e todos, invariavelmente, terminam com a contaminação da água potável
para o consumo.
Fonte : Quim. Nova, Vol. 26, No. 4, 523-530, 2003 |
Como obviamente a humanidade continua crescendo
e não deixará tão cedo de utilizar os remédios (com o envelhecimento da
população, precisamos cada vez mais remédios de uso contínuo!), como poderíamos
atacar esse problema? Acho que o primeiro passo é a informação! A população
precisa saber que o problema existe. A sociedade só poderá cobrar ações dos governos
e da indústria farmacêutica se efetivamente conhecer o problema. Os veículos de
divulgação científica devem, cada vez mais, difundir as informações (alô
Ciência Hoje e afins!). E os professores (em todos os níveis) também podem
fazer sua parte levando o assunto para suas salas de aula e promovendo
discussões, já que infelizmente os livros didáticos passam longe de abordar o
assunto. Outra atitude importante seria o recolhimento desses medicamentos pelo
fabricante (a tal responsabilidade pós-consumo que já vale para os fabricantes
de pilhas e baterias), mas quem poderia garantir que seriam realmente inutilizados
e não desviados, reembalados e recomercializados? A questão é delicada!
Enquanto isso vou fazendo minha parte difundindo a informação aqui no blog e
nas minhas aulas.
OBS: Para informações técnicas mais especializadas sugiro o número especial (virtual) da revista científica Science of the Total Environment contendo artigos selecionados pelos editores sobre a presença de fármacos e drogas
ilícitas em ambientes aquáticos.
Referências:
Mulroy, A. Water Environ. Technol, 13, 32, 2001
Panter, G. H.; Thompson, R. S.; Sumpter, J. P.; Aquatic Toxicol. 42, 243, 1998
Richardson, M.
L.; Bowron, J. M. J. Pharm. Pharmacol. 37, 1, 1985.
Stumpf, M. ,
Ternes, T. A., Wilkena, R., Rodrigues, S. V., Baumannc, W. Polar drug residues
in sewage and natural waters in the state of Rio de Janeiro, Brazil. The Science of the Total Environment 225: 135-141, 1999
Excelente artigo! Eu não imaginava que esses medicamentos pudessem afetar tanto o meio ambiente. Sempre me preocupei bastante com isso, principalmente em relação ao descarte de pilhas e baterias que as pessoas simplesmente depositam junto do lixo comum. E o pior de tudo, por mais que se fale, parece que as pessoas continuam sem se preocupar com esses problemas. Acho que os problemas ambientais só serão prioridade quando se tornarem um problema muito grave (coisa que já começou a acontecer) e talvez até irreversível.
ResponderExcluir