domingo, 11 de novembro de 2012

O Descarte Inadequado de Medicamentos: um problema negligenciado.



Você sabe o que acontece com aquele remédio que saiu da validade e foi jogado no lixo da sua casa? Qual será o destino dessas moléculas? Já pensou que elas podem contaminar o solo, a água e ao contrário do que muitos pensam, algumas delas podem resistir ao tratamento realizado na água nas estações de tratamento e que podem, até mesmo, retornar a sua casa novamente na água para o consumo? Pois agora falarei um pouco sobre esse assunto.
Há pouco mais de um ano eu torci o tornozelo e tive que tomar um anti-inflamatório bem forte durante uns poucos dias. Aquele medicamento só foi necessário naquela ocasião, pois a recuperação foi rápida e sobraram muitos comprimidos que, após saírem da validade, foram descartados no lixo de casa. Nessas ocasiões eu sempre ficava me perguntando qual seria o tamanho do estrago que o descarte dessas substâncias por toda a população provoca no ambiente. Recentemente, uma faxina no armário de remédios, me motivou a pesquisar um pouco sobre o assunto e acabei me deparando com um ótimo artigo de revisão escrito pelas professoras Daniele Maia Bila e Marcia Dezotti, da UFRJ, que aborda os problemas ambientais causados pelo descarte inadequado dos medicamentos. Também encontrei outro artigo, de Stumpf e colaboradores (1999) no qual os autores detectaram a presença de resíduos de drogas tais como reguladores de lipídios, anti-inflamatórios, entre outros, que foram detectados na água de esgotos e em rios no estado do Rio de Janeiro.
O problema é preocupante e o pior, é negligenciado pelas autoridades. Imagine todos os medicamentos que são utilizados pela população sendo descartados no lixo comum (pelo menos no Brasil) se acumulando nos lixões, infiltrando no solo e indo parar nos lençóis de água. Quando chove, essas substâncias são arrastadas para os corpos d’água (rio, lagos) onde se acumulam e podem ser captadas para o consumo humano ou animal. Mesmo a água tratada nas estações de tratamento ainda pode conter traços de alguns medicamentos que não são totalmente eliminados durante os processos de purificação. Isso significa então, que na prática acabamos consumindo, mesmo que em quantidades pequenas, os medicamentos (antibióticos, anti-inflamatórios, e outros) que outrora foram descartados. O problema não para por ai, até mesmo os excretas humanos e animais podem conter essas substâncias, que não são completamente metabolizadas pelo organismo e vão parar no esgoto doméstico.
                As substâncias que compõem os medicamentos são desenvolvidas para serem estáveis e manterem suas características químicas no corpo humano ou dos animais. Entretanto um estudo realizado por Mulroy (2001) alertou que de 50% a 90% de um fármaco que foi consumido acaba sendo eliminado intacto e persiste no meio ambiente. As consequências da presença dessas substâncias no meio ambiente ainda não estão bem estabelecidas mas podem ser desde a contaminação ambiental até resistência bacteriana uma vez que, em tese, uma bactéria presente em um rio com traços de antibiótico poderia adquirir resistência a essas substâncias.
O descarte inadequado de fármacos afeta sobremaneira os ambientes aquáticos onde os efeitos incluem a seleção de bactérias resistentes e alterações endócrinas em peixes devido à exposição aos estrogênios usados em medicamentos como, por exemplo, as pílulas anticoncepcionais. Nos estudos realizados em laboratório por Panter e sua equipe (1998), concentrações de hormônios similares às concentrações encontradas em efluentes, causaram profundos efeitos em peixes machos da espécie Pimephales promelas (uma espécie muito usada em testes ecotoxicológicos). Esses efeitos incluíram alterações reprodutivas, o que é potencialmente perigoso para a manutenção de qualquer espécie. Muito pouco é conhecido sobre o destino e o comportamento dessas substâncias no ambiente aquático, assim como não está claro quais organismos são afetados e em que grau.
De acordo com o estudo de Richardson e sua equipe (1985), nas estações de tratamento de esgotos há três destinos possíveis para qualquer fármaco individual: 1) ele pode ser biodegradável, ou seja, mineralizado a gás carbônico e água, como por exemplo, o ácido acetilsalicílico; 2) ele pode passar por algum processo metabólico ou ser degradado parcialmente, como as penicilinas; ou 3) ele pode ser persistente como o clofibrato, usado na redução do colesterol.
Na verdade pouco se conhece sobre as rotas dos fármacos no meio ambiente. O esquema abaixo, extraído do já citado artigo da revista científica Química Nova, ilustra alguns dos possíveis caminhos percorridos pelos fármacos após o seu descarte no meio ambiente. Observe que eles iniciam pela produção industrial ou excretas (humanos e animais) e todos, invariavelmente, terminam com a contaminação da água potável para o consumo. 
Fonte : Quim. Nova, Vol. 26, No. 4, 523-530, 2003 

Como obviamente a humanidade continua crescendo e não deixará tão cedo de utilizar os remédios (com o envelhecimento da população, precisamos cada vez mais remédios de uso contínuo!), como poderíamos atacar esse problema? Acho que o primeiro passo é a informação! A população precisa saber que o problema existe. A sociedade só poderá cobrar ações dos governos e da indústria farmacêutica se efetivamente conhecer o problema. Os veículos de divulgação científica devem, cada vez mais, difundir as informações (alô Ciência Hoje e afins!). E os professores (em todos os níveis) também podem fazer sua parte levando o assunto para suas salas de aula e promovendo discussões, já que infelizmente os livros didáticos passam longe de abordar o assunto. Outra atitude importante seria o recolhimento desses medicamentos pelo fabricante (a tal responsabilidade pós-consumo que já vale para os fabricantes de pilhas e baterias), mas quem poderia garantir que seriam realmente inutilizados e não desviados, reembalados e recomercializados? A questão é delicada! Enquanto isso vou fazendo minha parte difundindo a informação aqui no blog e nas minhas aulas.

OBS: Para informações técnicas mais especializadas sugiro o número especial (virtual) da revista científica Science of the Total Environment contendo artigos selecionados pelos editores sobre a presença de fármacos e drogas ilícitas em ambientes aquáticos.

Referências:
Bila, D. M.&  Dezotti, M.  Quim. Nova, Vol. 26, No. 4, 523-530, 2003
Mulroy, A. Water Environ. Technol, 13, 32, 2001
Panter, G. H.; Thompson, R. S.; Sumpter, J. P.; Aquatic Toxicol. 42, 243, 1998
Richardson, M. L.; Bowron, J. M. J. Pharm. Pharmacol. 37, 1, 1985.  
Stumpf, M. , Ternes, T. A., Wilkena, R., Rodrigues, S. V., Baumannc, W. Polar drug residues in sewage and natural waters in the state of Rio de Janeiro, Brazil. The Science of the Total Environment 225: 135-141, 1999 

Um comentário:

  1. Excelente artigo! Eu não imaginava que esses medicamentos pudessem afetar tanto o meio ambiente. Sempre me preocupei bastante com isso, principalmente em relação ao descarte de pilhas e baterias que as pessoas simplesmente depositam junto do lixo comum. E o pior de tudo, por mais que se fale, parece que as pessoas continuam sem se preocupar com esses problemas. Acho que os problemas ambientais só serão prioridade quando se tornarem um problema muito grave (coisa que já começou a acontecer) e talvez até irreversível.

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